Awa Porungawa Dju

AWA PORUNGAWA DJU

 

Todos nós temos passado e na aldeia Awa Porungawa Dju o passado criou o presente e alimenta o futuro.
Conheça a linda historia de Awa Porungawa, a inspiração que levou seus filhos a criarem uma nova aldeia.

 pintandodhevan

Uma guerra que termina

Quem sou eu? Por muitos amados, por poucos não compreendidos e por alguns não digo odiado, mas sim mágoas do passado que não foram perdoadas. Por muito tempo vivi como Djuruá, mas com o coração sempre na mata, fui obrigada a viver uma vida que não me pertencia, mas fui adiante.

E consegui deixar as águas correrem diante dos meus olhos sem ao menos interferir, sabia que logo na frente havia uma queda d’água e cairia todos os problemas.

Conheci a felicidade que morava ao lado, eu já sabia, mas foi difícil mostrar para minha felicidade que eu era sua felicidade também. Vivi intensamente aí fui agraviado por Deus com três presentes que completaram duas vidas. Tive que ir para um lugar onde me faltava o ar, onde meus pés e mãos pareciam estar acorrentados. Ah! Lá vou eu atrás da minha respiração e levando os meus; tentei ali, bati a cabeça aqui, mas me faltava algo, o que será? Já sei, preciso estar com meus patrícios, onde tudo começou.

Voltei para o seio da minha amada Terra. Agora comigo um bagagem e uma palavra de fé e conforto para aqueles que eu tinha deixado.

Todos aceitaram a palavra de amor que eu levei, tentaram resistir mas caíram no encanto do amor de Deus.

Tudo na mais perfeita abonança, mas logo veio a tempestade, a revolta e a desobediência tomaram conta de toda a minha razão, deixei até quem não me merecia e segui meu caminho, mas deixei minhas sementes plantadas; as notícias eram boas, as sementes germinaram e viraram lindas árvores frutíferas, não continha minha felicidade em saber que não desistiram, mas a felicidade nunca era plena, tentaram cortar as árvores pela raiz.

– Meu Deus!! Muita gritaria, são casas pegando fogo. Pedido de socorro pela tecnologia.

– Vou ter que voltar, eles precisam de mim. Agora volto para uma guerra onde todos tentam se proteger como podem.

12291262_861742137257311_7600343451391414655_o– Lá estou eu com o meu povo de novo, não podia mostrar medo, preciso ser forte e líder. Sentei no canto daquele lugar fechado, olhei para todos os lados e o que consegui enxergar era medo e desesperanças, era meu povo que estava ali, todos entrelaçados, sem espaço, antes liberdade plena e agora seu limite era uma portão.

Aí veio o gosto salgado na boca, quando me vi em lágrimas. Em um reflexo de luz me veio na mente aquele paraíso esquecido onde nossa vida iria recomeçar.

Enxuguei as lágrimas, chamei um dos maiores guerreiros e eu passei minha lembrança.

Saímos em cinco, sem avisar quase ninguém, uma estrada longa, de mansinho e cautelosos fomos observando tudo. Olhei para trás, vi nos olhos dos grandes guerreiros um sinal de esperança e conforto, mas me calei, pensei é aqui que tudo vai recomeçar.

A novidade foi um estouro de emoção e medo, sabíamos que não seria fácil, pois ali era uma terra bem visada por posseiros e começaríamos um nova guerra; mas tínhamos que enfrentar. Reunimos uma grande liderança e todos estavam dispostos a lutar ao meu lado.

E aqui já estávamos com um pouco mais de uma lona, muito frio e muito vento, junho e julho nos castigavam, meu Deus!! Tiros? Todos alerta e o medo no corroía, mas ali plantamos os pés e não sairíamos por nada.

12734223_901412233290301_2659094588798621096_nInterrompo a guerra, por forças maiores, mas ali ficam lutando e a paz finalmente reina, vencemos mais um conflito. Mas para mim que já acostumei com conquistas não está bom, pego novamente ele, o grande guerreiros de aventurar e conquistas e lá vamos para mais uma grande luta, conquistar mais uma Terra.

Não criei raízes, mas lá deixei pontos de minha coragem, retornei, o tempo já não era a meu favor, e as noites mal dormidas e o secar do sol e o molhar da chuva, tudo isso pesavam no meu velho corpo cansado. Meus poderes de super herói já havia se esgotado, aí veio a queda, lá estava meu corpo estendido no chão, já não podia mais lutar, correr, se esconder, esbravejar, o que me restava era apenas a emoção e a saudade. A emoção corria dos meus olhos ao ver quem tanto amava e não pode abraçar, levar até a porta depois de uma visita.

A voz me faltava, as pernas e braços não me obedeciam, o corpo tentava mas sua sina era ficar ali esticado imóvel, as vergonhas vieram a tona, mas já não me importava, porque tudo que me restava eram as lágrimas.

12744102_901435123288012_7124035093652145932_nLutei, lutei muitos dias e noites que mais pareciam a eternidade, meu corpo todo já vegetava, mas eu estava ali ainda.  Minha alma pedia socorro, eu falava com os olhos, mas ninguém me entendia, eu olhava e via uma pequena escuridão, acho que estou desistindo. E lá vem ela como sombria como o breu da noite, ela chegou! E eu desisti! Desisti de lutar contra ela e agora vou ao encontro de Deus que sempre acreditei e preguei.

Quem sou eu? Sou Haroldo Eugênio Awa Porungawa.

Marido, pai, padastro, pastor, irmão, primo e uma grande liderança indígena.
1936 – 2014

Texto por: Dhevan Kawin – filho de Awa Porungawa

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